Ano V ● Edição Especial ● 16 de março de 2023
Prezado leitor, estimada leitora,
A Arquivologia brasileira perdua um de seus maiores nomes. Morreu, em 1º de março de 2023, aos 88 anos, Heloísa Liberalli Bellotto.
Formada bibliotecária em 1956 e historiadora em 1959, sempre pela USP (onde também se tornou professora), Bellotto especializou-se em Organização e Administração de Arquivos na Espanha, em 1977. Desde então, nunca mais saiu de perto da Arquivologia.
Ao longo de décadas, publicou mais de 140 artigos e duas dezenas de livros. Sua primeira obra de impacto na Arquivologia foi o Dicionário de Terminologia Arquivística, publicado pela Associação dos Arquivistas Brasileiros, em 1990. Mas foi um ano depois, em 1991, que surgiu aquele que talvez seja seu livro mais lido entre arquivistas – Arquivos permanentes: tratamento documental, um clássico até hoje reeditado.
Quem passou por um curso de Arquivologia nas últimas quatro décadas, leu Bellotto. Quem frequentou os eventos da área desde os anos 70, teve o prazer de ouvi-la. Quem convive no universo dos arquivos, sabe de sua expertise. Quem a conheceu de perto, não esquece sua generosidade. Heloísa Liberalli Bellotto viveu as boas e as más da Arquivologia brasileira, área para a qual sua contribuição foi e seguirá sendo incomensurável.
Nesta edição especial do Giro homenageamos Heloísa Bellotto da única forma possível neste momento: repercutindo sua vida e obra. Nas linhas a seguir, você lerá um texto inédito de Ana Célia Navarro Andrade, além de depoimentos sobre a arquivista e também indicações de leituras e vídeos imprescindíveis para compreender o pensamento sempre necessário e atual de uma das mais aguerridas defensoras dos arquivos brasileiros.
Boa leitura.
por Ana Célia Navarro de Andrade
Presidente da ARQ-SP
O que dizer de Heloísa Bellotto?
Não há palavras suficientes para descrevê-la: para começar, excelente profissional.
Licenciada e doutora em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP), bacharel em Biblioteconomia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e especialista em Arquivística pela Escuela de Documentalistas de Madrid, Espanha.
Ao longo de sua vida, Heloísa estudou, organizou e descreveu inúmeros arquivos, no Brasil e no exterior. Como docente, além de professora do curso de História da Universidade Estadual Paulista – UNESP/Campus de Assis – SP, foi docente dos cursos de Arquivologia da Universidade de Brasília (UnB) – cujo programa foi ela quem criou, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), da Universidade Clássica de Lisboa (Portugal) e da Maestría bienal en Gestión de Documentos y Administración de Archivos da Universidad Internacional de Andalucía (Espanha). Na USP, onde se aposentou, foi pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA), do Curso de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), e do Curso de Especialização em Organização de Arquivos do IEB/ECA/USP.
Sua vida profissional foi sempre muito intensa, ministrando palestras e conferências em cursos e eventos, orientando alunos da pós-graduação, participando do corpo editorial de revistas da área, e ainda encontrando tempo para mais um projeto ou texto a ser incorporado a sua vasta produção acadêmica.
Heloísa também foi assessora do Sistema de Arquivos do Estado de São Paulo (SAESP) e do Sistema de Arquivos da USP (SAUSP), além de consultora do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, do Ministério da Cultura do Brasil, atuando na descrição dos documentos do Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, Portugal.
No campo do associativismo, Heloísa ocupou diversos cargos nas diretorias da Associação dos Arquivistas Brasileiros – Núcleo Regional São Paulo (AAB-SP) e da Associação de Arquivistas de São Paulo (ARQ-SP). Em sua última gestão como presidente da ARQ-SP, Heloísa Bellotto realizou um sonho antigo: organizar um grande evento de Arquivologia em Campos do Jordão (SP). Compramos a ideia e organizamos o VI Congresso de Arquivologia do Mercosul (2005), contando com a presença de 713 participantes do Brasil e de diversos países da América Latina, além de Portugal e Espanha.
Não podemos esquecer a importância de Heloísa Bellotto na concepção do conceito de espécie documental, amplamente difundido pela AAB-SP com a publicação do Dicionário de Terminologia Arquivística, coordenado por ela e pela professora Ana Maria de Almeida Camargo, reeditado posteriormente pela ARQ-SP.
Tudo isso é apenas um resumo do que foi a professora e arquivista Heloísa Bellotto. Mas, para nós da Associação de Arquivistas de São Paulo, mais que grande profissional, mais que nossa mestra e constante referência, Heloísa era amiga, engraçada, divertida, grande cozinheira, excelente companheira de viagem, unindo sempre o útil (geralmente, congressos) ao agradável (passeios, compras, almoços e jantares). Heloísa era uma pessoa muito generosa.
Sua partida foi prematura, pois, no auge de seus 88 anos recém completados, Heloísa estava lúcida e em franca atividade, desenvolvendo um projeto na Biblioteca Brasiliana da USP.
Foi um grande choque, que pegou a todos de surpresa. Ficamos todos um pouco órfãos de Heloísa Bellotto.
Depoimentos
Arquivo Histórico Ultramarino (Portugal): “Professora universitária brasileira, Heloísa Liberalli Bellotto, a partir de S. Paulo, tornou-se uma referência no domínio da Arquivística, também em Portugal. […] o Arquivo Histórico Ultramarino recorda-a com carinho, expressando o seu pesar e agradecendo o contributo dado ao conhecimento do patrimônio arquivístico comum ao Brasil e a Portugal”.
Marcia Pazin (via Facebook): “A Heloísa não tinha parada. Foi a pessoa mais enérgica que eu conheci profissionalmente também. Viajava o mundo para falar, dar aulas. Era só convidar que ela estava indo. Viveu uma vida intensa, em todos os sentidos”.
Instituto de Estudos Brasileiros - IEB/USP: “Sua atuação pioneira apoiou a criação e consolidação de cursos por todo o território brasileiro, além de como consultora ter atuado em dezenas de instituições arquivísticas. Dentre suas atividades, ressaltamos sua participação na criação de legislação da área, legislação esta admirada em todo o mundo”.
José Maria Jardim (via Facebook): “Partilhar inquietações sobre Arquivologia com Heloísa na hora de um cafezinho em um congresso ou numa conversa por telefone podia ser um salto para novas percepções e entendimentos… Ela nos acolhia como seus interlocutores. Só verdadeiros mestres fazem isso”.
Johanna W. Smit: “Total engajamento na paixão pelos arquivos, muito bom-humor, generosidade para ensinar, emprestar livros ou convidar para um almoço (como cozinhava!), foi tudo isto que ganhamos com a passagem de Heloísa Liberalli Bellotto pela nossa vida, beneficiando a arquivologia brasileira, com muitas interlocuções com arquivistas de outros países […] obrigada, professora Helô!”
Algumas leituras indispensáveis
Arquivos permanentes: tratamento documental (2004, trechos).
Políticas governamentais de documentação (Ágora, 1992).
Centros de memória: uma proposta de definição (Acervo, 2016).
Novas concepções do contexto arquivístico (Arquivos, entre a tradição e a modernidade, 2017).
Reconsiderando os arquivos pessoais (Ponto de Acesso, 2014)
Não há construção sem alicerces: a disciplina Introdução à Arquivologia nos cursos universitários (XIII CAM, 2019)
O papel instrumental dos arquivos e as qualidades profissionais do arquivista (Ágora, 2012).
Entre a História e a Arquivologia: entrevista com Heloísa LIberalli Bellotto (Epígrafe, 2018)
Para ver com calma