Edição 41 ● Agosto de 2019
Medida Provisória poderá tornar legal a destruição de arquivos originais após digitalização
Entre idas e vindas, a pendenga se arrasta desde 2012. Naquele ano, o Congresso Nacional aprovou a Lei Federal Nº 12.682, que dispõe sobre o arquivamento de documentos em meio eletrônico. O texto original permitia que os documentos arquivísticos produzidos e acumulados em papel fossem eliminados depois de digitalizados, uma frequente reivindicação do empresariado e até de alguns ramos do setor público, seduzidos pela suposta praticidade da digitalização. Diante da mobilização de arquivistas, historiadores e técnicos preocupados com as fragilidades e inseguranças do meio eletrônico, a então presidente Dilma Rousseff vetou os artigos mais contraditórios da lei. Os documentos em papel ou microfilmados continuaram valendo como autênticos por excelência.
Houve, entretanto, quem nunca se conformasse com os vetos de Rousseff. A partir de 2013, várias iniciativas – sobretudo através de projetos de lei – tentaram legalizar a digitalização como um meio de substituição de documentos originais em papel. Oriundas de legisladores que haviam recebido financiamento de campanha de empresas interessadas no filão de mercado que se abriria caso a lei fosse alterada, muitas destas proposições acabaram por esbarrar na resistência de estudiosos do tema e, principalmente, nas mobilizações conjuntas empreendidas por entidades de classe ligadas à História, Ciências Sociais e, claro, Arquivologia.
Na semana passada, contudo, os defensores da digitalização ampla, geral e (quase) irrestrita deram seu mais importante passo. Através da Medida Provisória 881, originalmente promulgada pelo presidente Jair Bolsonaro e debatida na Câmara dos Deputados, finalmente parece estar aberto o caminho para que documentos digitalizados tenham o mesmo valor legal que seus originais. A MP 881, batizada de medida da Liberdade Econômica, promove um amplo processo de alterações legais, visando reduzir o papel do Estado na economia e facilitar a vida de médios e grandes empreendedores. Em seu Art. 3º, a medida prevê, entre os direitos da pessoa natural ou jurídica, "arquivar qualquer documento por meio de microfilme ou por meio digital, conforme técnica e requisitos estabelecidos em regulamento, hipótese em que se equiparará a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato de direito público". Mais adiante, a MP apresenta uma série de modificações à Lei Nº 12.682, boa parte delas dedicadas a incluir os artigos que Dilma Rousseff havia vetado, em 2012. Uma das mudanças, sintomaticamente, considera que "Após a digitalização, constatada a integridade do documento digital nos termos estabelecidos no regulamento, o original poderá ser destruído, ressalvados os documentos de valor histórico, cuja preservação observará o disposto na legislação específica". Ademais: "O documento digital e a sua reprodução, em qualquer meio, realizada de acordo com o disposto nesta Lei e na legislação específica, terão o mesmo valor probatório do documento original, para todos os fins de direito, inclusive para atender ao poder fiscalizatório do Estado."
Para se tornar lei, a MP precisa ser aprovada pelo Senado e sancionada pela Presidência. Pelas redes sociais, alguns arquivistas e poucas instituições protestaram contra a medida que permite, inclusive, que os critérios da digitalização sejam regidos pelo próprio "mercado". A Associação dos Arquivistas do Rio Grande do Sul (AARS) classificou a mudança na lei como "notícia lamentável".
Brasil
Circula pelas redes um abaixo-assinado em defesa do Arquivo Nacional. O texto do manifesto reflete sobre a perda de autonomia do órgão e a respeito do sistemático sucateamento da malha arquivística do país. Para ler e assinar, clique aqui.
A Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) está com inscrições abertas para o mestrado profissional em Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural das Ciências e da Saúde. O Programa é destinado a profissionais das áreas das ciências humanas, ciências sociais aplicadas e ciências da saúde, que atuam na preservação do patrimônio cultural das ciências e da saúde. As inscrições vão até 08 de novembro.
Acontece no próximo dia 29, no Rio, a aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense. A edição deste ano traz como tema "Classificação de documentos e informações: diálogos interdisciplinares na perspectiva do Brasil e Portugal". As conferências serão de Carlos Guardado da Silva (Universidade de Lisboa) e Renato Tarciso Barbosa de Sousa (Universidade de Brasília).
Em tempos de fake news e descrença na ciência, a Universidade de Passo Fundo apresenta o seminário "Negacionismos e revisionismos: o conhecimento histórico sob ameaça". Acontece entre os dias 21 e 23 de agosto.
Estão abertas as inscrições de trabalhos para o VI Encontro Nacional de Arquivistas das Instituições Federais de Ensino Superior (ENARQUIFES). As submissões podem ser feitas até o dia 31 deste mês. O evento ocorre em novembro, em Goiânia (GO).
O Arquivo Público do Estado de São Paulo lançou, na semana passada, o Guia Técnico de Transparência Municipal. O livro é fruto de uma cooperação técnica entre a instituição e o Tribunal de Contas do Estado e pode ser obtido gratuitamente, mediante download, através do sítio do APESP.
Acontece entre os dias 22 e 23 de agosto, na Universidade Estadual da Paraíba, o 1º Seminário de Arquivos Universiários da UEPB. A temática do evento abordará a "gestão e preservação de documentos físicos e digitais".
Um documento encontrado por uma das funcionárias do Arquivo Público Municipal de Ouro Preto (MG) comprova que, em 1751, os vereadores da cidade planejaram a criação de um espaço para guarda de documentos, na antiga Vila Rica.
Mundo
Saiu uma nova circular sobre o X Encuentro de Archivos Municipales, evento paralelo ao XVII Congreso Argentino de Archivística, que ocorre em setembro deste ano, na cidade de Paraná.
A propósito: na Argentina, como cá, há quem se entusiasme bastante com o poder da digitalização de documentos. Na semana passada, o presidente do Superior Tribunal de Justiça do país afirmou que digitalizar é "uma maneira muito mais eficiente de gestionar a documentação pública".
No México, uma exposição intitulada "Mis Diablos, Mi ciudad" tenta dar mais visibilidade ao acervo do Archivo Histórico do Beisbol (beisebol, no Brasil).
Baseado no imenso arquivo de tirinhas do cartunista Quino, a famosa Mafalda chega novamente às livrarias, agora numa recompilação apenas de tiras feministas.
Para ler com calma
Em pílulas, pois a oferta desta semana é farta:
Uma interessante entrevista com Elia Chávez Mejía, que dirige o Archivo Histórico de la Marina de Guerra do Peru.
Um fundamental ensaio sobre a aguardada obra Los archivos: papeles para la nación, do argentino Juan José Mendoza.
Uma matéria exclusiva do portal Metrópoles, sobre a inocência de quatro pessoas desaparecidas pela ditadura brasileira.
Um importante artigo a respeito dos caminhos profissionais a serem seguidos por bibliotecários, documentalistas e arquivistas.
Uma reportagem especial do UOL, sobre um documento suíço que revela as disputas entre os militares brasileiros pelo poder durante a ditadura.
E, finalmente, uma entrevista de Bia Kushnir, sobre o quão importante é que os arquivistas compreendem o momento político em que estão vivendo.