Ano III ● Edição 130 ● Maio de 2021
Abandono, destruição e espionagem: erosão da democracia ameaça arquivos, privacidade e direito à informação
O movimento é mundial, mas o Brasil está na vanguarda: a erosão das democracias tais como as conhecemos está gerando uma onda de abandono ainda mais sistêmico das políticas de preservação de arquivos, do bom trato com a privacidade e do direito de acesso à informação. Dia sim, dia também, o país acorda com notícias cada vez mais estarrecedoras sobre o ocultamento de documentos públicos reveladores de ações públicas inábeis, sobre a ampliação dos sistemas de vigilância dos cidadãos e sobre o cerceamento do direito à informação pública.
O quadro é grave e merece total atenção. Na semana passada, a Folha de S. Paulo revelou que o Ministério da Justiça busca adquirir uma tecnologia para espionagem de celulares e computadores de jornalistas e críticos do governo. O processo de licitação estaria gerando, inclusive, uma contenda entre órgãos ligados à inteligência (como a Abin) e às Forças Armadas.
Enquanto isso, a CPI da Covid-19 começa a revelar que documentos importantes – como a carta enviada pela farmacêutica Pfizer com oferta de vacinas – ficaram sem resposta e ocultos até semana passada. E que o Ministério da Saúde se negou a apurar contratações suspeitas no Rio de Janeiro, segundo documentos da AGU, descobertos pela imprensa. Tudo isso no momento em que o Presidente da República prepara, segundo informações divulgadas na Folha, um decreto para proibir que redes sociais apaguem postagens e perfis disseminadores de discurso de ódio e fake news.
Às vésperas do mês que discutirá o empoderamento dos arquivos, é muito importante que a comunidade arquivística brasileira esteja atenta ao movimento cada vez mais veloz de deterioração dos valores democráticos e do bom uso da informação governamental que paira sobre o Brasil. Este é um debate contemporâneo e difícil, mas fundamental para um corpo profissional que se pretende pertinente ao país. Está previsto nos principais estatutos éticos internacionais da profissão e nos preceitos que guiam o ofício na defesa da democracia e dos Direitos Humanos. Mas não deve ficar só no papel.
O ECCOA – Arquivologia fora da Caixa desta semana está imperdível. Além do Giro em áudio, o podcast recebe Jonas Ferrigolo Melo, vencedor do Prêmio Olga Gallego 2021. Ouça!
Brasil
A 5ª Semana Nacional de Arquivos ganhou tração. Já são dezenas de eventos agendados por todo o país. A programação completa – ainda em construção – pode ser acessada aqui.
A partir do dia 27, 11 mil documentos sobre a trajetória do poeta e compositor Vinícius de Moraes estarão disponíveis para livre acesso na Internet. O Acervo Vinícius de Moraes disponibilizará representantes digitais de poemas, letras de música, roteiros e cartas escritas e recebidas pelo mítico artista.
Impressos Subversivos: Arte, Cultura e Política no Brasil, 1924-1964, da historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, é um novo livro que tem como mote os arquivos da repressão. Chegando na praça pela FAPESP.
A agenda da semana está curta, mas muito boa: na UFBA, hoje, tem aula aberta com Daniel Beltran, sobre LGPD e o protagonismo do arquivista na proteção de dados; já a Prefeitura de Belo Horizonte promove amanhã e quinta, sempre às 19h, o Seminário Virtual 30 anos do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte – APCBH: o direito à memória e à informação para o exercício da cidadania.
Mundo
O governo do México quer que documentos roubados do AGN e leiloados nos Estados Unidos sejam devolvidos ao país. Uma carta de Hernán Cortez é o principal objeto da contenda.
Na Austrália, tida por aqui como nova referência internacional em Arquivologia, é péssima a situação da principal instituição arquivística nacional. A direção do National Archives teve que lançar um crowdfunding – a famosa vaquinha on-line – para arrecadar fundos visando preservar e digitalizar documentos históricos em processo de desintegração.
Abandonado no Brasil, o Memória do Mundo continua na ativa em alguns países. A Costa Rica abriu nova convocatória para o programa.
No próximo dia 3 de junho, o Archivo Histórico de la Província de Córdoba comemora seu 80º aniversário com o curso de capacitação "Conceptos básicos de conservación para documentos históricos", ministrado pela arquivista Andrea Giomi.
E a ALA (Associação Latino-Americana de Arquivos) publicou um pronunciamento em que manifesta preocupação com a proteção dos arquivos no contexto das convulsões sociais observadas na América Latina – em especial na Colômbia.
Para ler com calma
A série de sua vida: a memória já está nas mãos da inteligência artificial (em espanhol, via La Información).
Furar as bolhas da desinformação só será possível se políticos entrarem na conversa (via A Fonte).
O desafio de empoderar a profissão arquivística (em espanhol, via Anna Szlejcher).
E o Guia para la protección de datos personales con perspectiva de gestión de documentos y archivos (via INAI).
Para ver com calma
Charla introductoria al Software de descripción de documentos de archivo AtoM (via Archiveras sin Fronteras Chile).
O cinema de Juiz de Fora no acervo do Arquivo Central/UFJF (via LaphArq).
Passado, presente e futuro dos arquivos (LETHIS TV).
E a videoconferência "Gestión de riesgos en archivos" (via Canal AGN Colômbia).