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Edição 39 ● Agosto de 2019
Arquivos, pós-verdade e as chagas abertas da ditadura brasileira
Descontente com um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que fossem mantidos em sigilo os dados sobre os advogados de defesa de Adélio Bispo, o presidente Jair Bolsonaro resolveu atacar a instituição através da pessoalização. Em curta entrevista à TV Globo, no último dia 29, Bolsonaro tocou no sensível tema dos desaparecidos políticos da última ditadura brasileira. Falou, especificamente, sobre o caso de Fernando Augusto de Santa Cruz, preso em 1974, pai do atual presidente da OAB. "Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não querer ouvir a verdade" – disse Bolsonaro, dando início a mais uma das tantas polêmicas que marcam seus oito meses de governo.
Fernando Augusto de Santa Cruz era militante da Ação Popular, um dos grupos organizados de combate à ditadura instaurada em 1964. Em fevereiro de 1974, enquanto passava o Carnaval no Rio, ele foi preso com um colega, Eduardo Collier Filho. No dia 13 de março, os familiares de Santa Cruz receberam um telefonema anônimo, afirmando que ele havia sido transferido para o temido DOI-CODI de São Paulo. Fernando nunca mais foi visto. Anos mais tarde, um ex-agente da repressão, Claudio Guerra, assumiu que o cadáver do militante foi um dos muitos incinerados numa usina de açúcar em Campos, no Rio.
A mãe de Fernando, Elzita Santa Cruz, que morreu no ano passado, aos 105 anos, chegou a escrever para o então ditador Ernesto Geisel, em busca de informações sobre seu filho, mas a ditadura nunca revelou o real paradeiro do militante. Durante os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, a trajetória de Santa Cruz foi reconstituída e ele foi, finalmente, oficializado como vítima da repressão. Dias antes da declaração de Bolsonaro, em 24 de julho deste ano, a Comissão Nacional sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada ao Governo Federal, emitiu um atestado de óbito em que reconhece a morte de Fernando de Santa Cruz como "não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro".
O filho de Fernando, Felipe Santa Cruz, hoje presidente da OAB, acionou o Superior Tribunal Federal, para que Bolsonaro explique suas declarações. De acordo com diversas reportagens publicadas ao longo da semana, Bolsonaro mentiu sobre a história de Santa Cruz e sobre a inexistência de documentos capazes de comprovar as atrocidades da ditadura – que existem e estão, muitos deles, ao alcance de qualquer usuário, a poucos cliques.
O site TechTudo preparou um guia para a consulta aos arquivos da Comissão Nacional da Verdade, um dos muitos conjuntos documentais que comprovam as mentiras proferidas pelo presidente sobre o período repressivo brasileiro.
Brasil
O Arquivo Nacional deu início à divulgação do Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa, que é realizado desde 1991 e tem por objetivo difundir, via concurso, pesquisas de natureza científico-cultural baseadas no acervo da instituição. As regras do concurso, que ainda não tem cronograma definido, encontram-se no sítio do AN.
A revista Acervo, do Arquivo Nacional, abriu chamada de artigos para o dossiê "As várias faces dos feminismos: memória, história, acervos". O número conta com organização de Rachel Soihet (UFF), Magali Engel (Unicamp) e Natália Guerellus (UFF). A data-limite para o envio de artigos é 30 de setembro (somente para doutores).
Um documentário – Desarquivando Alice Gonzaga – conta a história da herdeira do primeiro estúdio de cinema do Brasil, a Cinédia. O lançamento ocorreu no Cine Brasília, na semana passada.
Aliás... O trailer do documentário é uma belíssima ode aos arquivos. Vale a pena conferir.
Acontece entre os dias 16 e 18 de setembro, no Arquivo Nacional (Rio), o IV Simpósio Arquivos & Educação, com o tema "Arquivos e temporalidades: o tempo nas práticas em educação e arquivos".
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornou públicos os arquivos sobre a cassação do Partido Comunista do Brasil, ocorrida em 1947. O PC brasileiro teve suas atividades proibidas até 1985.
A Executiva Nacional dos Estudantes de Arquivologia (ENEA) elegeu a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) como sede de seu próximo Encontro, em 2020. A escolha aconteceu depois que os acadêmicos da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) declinaram de sua candidatura (originalmente eleita).
Na semana passada, o Arquivo Público Mineiro recebeu cerca de 70 documentos roubados de sua sede. Uma força-tarefa com atuação em vários estados recuperou o material.
O Governo do Estado de São Paulo oficializou, por decreto, o programa SP Sem Papel. A ideia é reduzir e até mesmo eliminar os trâmites em papel nas dinâmicas da administração estadual. O programa conta com o apoio do Arquivo Público do Estado.
E o Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul lançou seu Instagram. Confira!
Mundo
Uma gravação do ex-presidente estadunidense Ronald Reagan chamando delegados africanos da ONU de "macacos" foi descoberta pelo historiador Tim Naftali, na semana passada. O material havia sido divulgado pelo Arquivo Nacional dos Estados Unidos em 2000, mas sem o trecho racista. Uma decisão judicial proferida depois da morte de Reagan, em 2004, permitiu que o arquivo fosse finalmente divulgado na íntegra, sem cortes.
A filha de Reagan, Patti Davis, pediu perdão pelos comentários do pai: "Não há defesa, nem racionalidade, nem explicação adequada para o que meu pai disse naquela conversa telefônica gravada" – escreveu Davis, em um artigo para o The Washington Post.
A CIA, agência de inteligência dos Estados Unidos, desclassificou 12 milhões de documentos sobre os conflitos no Sahara Ocidental. Os documentos mostram o envolvimento de Juan Carlos I, rei da Espanha, nos massacres ocorridos na região.
O governo espanhol lançou 11 guias de aplicação da política de gestão de documentos eletrônicos. Os guias versam sobre temas da concepção do documento até sua descrição.
Para ler com calma
Do arquivo à glória. Ramón Alberch i Fugueras remonta trajetórias de arquivistas que passaram a ocupar cargos de renome mundo afora.
Do jornal Brasil de Fato: os achados de um professor de História nos arquivos da Câmara Municipal de João Pessoa, na Paraíba.