Edição 54 ● Novembro de 2019
Medida Provisória derruba exigência de registro profissional para atuação de arquivistas
O Governo Federal publicou, no último dia 11, a Medida Provisória Nº 905/2019, que cria e institui o Contrato Verde e Amarelo, altera parte importante da legislação trabalhista vigente e dá outras providências. Nas disposições finais, mais especificamente no artigo 51, inciso IX, a MP revoga o artigo 4º da Lei Federal nº 6.546/1978. Este inciso é parte da lei que regulamenta a profissão de arquivista no Brasil e exige de arquivistas e técnicos de arquivo que se registrem junto ao Ministério da Economia para exercer o ofício. O dispositivo, que data de 1986, foi uma conquista da comunidade arquivística brasileira e se constitui no passo mais importante para que o exercício profissional vinculado aos arquivos seja regulado por critérios – o outro passo, ainda hoje não conquistado, é a criação de um órgão de fiscalização da lei, um conselho profissional.
Analistas indicam que a intenção do governo em desregulamentar o exercício profissional (junto a de arquivistas foram levantadas as exigências de todas as demais profissões sem conselho) é ampliar a oferta de empregos, uma vez que não haverá mais controle mínimo sobre a exigência ou não de formação para o exercício profissional. Há quem dia, ainda, que o governo aproveitou a MP para punir jornalistas e demais profissionais da comunicação – contra os quais move uma pesada campanha nas últimas semanas. Seja pelo motivo que for, os arquivistas também sairão prejudicados. A falta de exigência de registro permite que qualquer pessoa, sob quaisquer circunstâncias, exerça a profissão, o que já acontece, mas tende a piorar.
Como a MP ainda precisa ser aprovada pelo Congresso, há espaço de mobilização. Através do Fórum de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (FEPARQ) e das associações estaduais já correm pelas redes manifestos, cartas abertas e até uma campanha para que a proposta seja rechaçada no Legislativo. Uma consulta pública junto ao portal do Senado Federal segue aberta para medir a rejeição do projeto – até o fechamento desta edição, 49.172 pessoas já haviam declarado ser contra a MP, enquanto 1.535 votaram a favor.
De Leide Mota, da Associação dos Arquivistas da Bahia (AABB): "Acreditamos que ações como esta, sem nenhum tipo de diálogo com as entidades de representação das profissões afetadas – típico de um governo insensível às demandas e anseios dos trabalhadores – só contribui para a precarização e deterioração das relações de trabalho no país. A AABA, compreendendo sua responsabilidade na defesa dos interesses da comunidade arquivística baiana, já se encontra em diálogo com o Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil (FNArq) no sentido de articularmos coletivamente ações pela rejeição desta inconstitucional MP."
Da Associação dos Arquivistas do Estado do Rio Grande do Sul (AARS) em nota de repúdio contra as declarações do jornalista Paulo Germano, que defendeu a MP, no começo da última semana: "Citando o 'fim de profissões como de datilógrafos e arquivistas', o jornalista ignora que a Arquivologia se debruça nas últimas décadas sobre temas tão caros a sociedade como transparência pública; acesso à informações; proteção de dados pessoais, entre tanto outros no campo dos documentos digitais."
Do jornalista Paulo Germano (RBS TV, afiliada da Rede Globo, via Facebook): "Cometi um erro na edição do Jornal do Almoço de quarta-feira, 13 de novembro de 2019. Em uma das minhas participações como comentarista, ao mencionar algumas profissões ameaçadas pelo avanço tecnológico, acabei citando equivocadamente os arquivistas. [...] Na quarta-feira, minha intenção, no calor do momento, foi encontrar uma profissão que, em uma sociedade cada vez mais digital, ainda se mantivesse muito presa ao papel. Me veio à cabeça o estereótipo (e estereótipos são sempre construções rasas) daquele arquivista antigo, de décadas atrás. Fui injusto, portanto, com inúmeros profissionais que se empenham para fazer a gestão documental em todas as plataformas – muitos deles, inclusive, diretamente envolvidos no processo de digitalização dos locais onde trabalham."
Brasil
A Escola de Arquivologia da UNIRIO promove, nos próximos dias 25 e 26 de novembro, a XXX Jornada Arquivística da UNIRIO. Neste ano, o tradicional evento debate a conjuntura política dos arquivos públicos no Brasil.
Já na Universidade Federal Fluminense (UFF), acontece no próximo dia 27 a roda de conversa Questões de gênero e sexualidade no campo informacional. O evento marca mais um lançamento dos dois novos livros sobre o tema, editados pela Nyota.
A propósito, para quem ainda não conferiu as publicações, elas estão disponíveis on-line. E gratuitamente.
Nos dias 20 e 22 deste mês, o Governo da Paraíba realiza o evento Arquivos e governança pública: implantação do Arquivo Público.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) apresentou no último dia 8, em São José dos Campos, o Guia Técnico de Transparência Municipal. Disponível aqui.
O Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul reuniu, no último dia 6, os diretores administrativos do Estado para debater a importância da gestão de documentos.
Da revista Época, via José Maria Jardim: 84% das empresas brasileiras não estão preparadas para a Lei Geral de Proteção de Dados, que entra em vigor em agosto do ano quem vem. Um campo e tanto para os arquivistas interessados.
Já começaram, mas ainda dá tempo de conferir: a XVII Semana Acadêmica da Arquivologia da Universidade Federal de Santa Maria e o XIV Encontro Catarinense de Arquivos.
Mundo
Documentos de Simón Bolivar, Frida Kahlo e até Fidel Castro irão a leilão, em Paris, através da empresa Aristophil. Há originais avaliados em até 7 mil euros.
Arquivar o colapso social chileno e os protestos que não param de se espalhar pelo país. Esta é a proposta de "Mi Octubre", o projeto de um arquivo histórico digital que pretende colher depoimentos de cidadãos que estiveram, de alguma forma, envolvidos nos protestos.
Com o apoio do Conselho Internacional de Arquivos, o México criará um portal sobre seus arquivos municipais. A demanda foi aprovada na última Conferência Anual do CIA, ocorrida em Adelaide, Austrália, no final de outubro.
Familiares de pessoas desaparecidas durante a última guerra civil de El Salvador, entre 1980-1992, pediram ao presidente do país, Nayib Bukele, que abra os arquivos militares relacionados ao período. Durante a guerra civil salvadorenha cerca de 75 mil pessoas foram mortas e outras 10 mil continuam desaparecidas.
Ao menos 20 pastas do Archivo de Protocolos Notariales de Posadas, na Espanha, com documentos datados do século XVI, foram destruídas, conforme denúncia da Delegación de Cultura do Ayuntamiento de Posadas.
A organização Arquivistas sem Fronteiras divulgou dois importantes manifestos. No primeiro, a AsF pede que a integridade dos cidadãos e do patrimônio documental sejam asseguradas na Bolívia, que vive forte momento de convulsão social depois que, pressionado por militares, o presidente Evo Morales renunciou ao cargo. No segundo manifesto, a ONG expressa, mais uma vez, preocupação com o Arquivo da Polícia Nacional da Guatemala.
Nos Estados Unidos, Microsoft e Warner anunciaram ter conseguido armazenar o filme Super-Homem (1978) em um suporte de vidro de silica de menos 7x7 cm. 75,6 gigabytes de dados foram armazenados no vidrinho.
Para ler com calma
Conheça a Fundação Televisa, um dos maiores e mais importantes arquivos do México.
Em São Paulo, parte da "memória" da Proclamação da República brasileira.
“Temos que bater de porta em porta e mostrar que o Arquivo existe e que a gestão documental é solução e não problema”. Na Archivoz, uma entrevista com Fernando Padula, coordenador do Arquivo Público do Estado de São Paulo
Para ver com calma
A transmissão gravada do Seminario Internacional El lugar de los archivos: acceso a la información, transparencia y memoria, que aconteceu na Espanha, semana passada.