Edição 27 ● Maio de 2019
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Instabilidade institucional põe arquivos brasileiros em risco
Em 11 de abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou o Decreto Nº 9.759, através do qual foram extintos ou limitados os colegiados no âmbito da administração pública federal. Segundo o dispositivo, conselhos, comitês, grupos e quaisquer outros órgãos colegiados da administração direta, autárquica e fundacional federal cujas competências e composições não tenham sido previstos em lei deveriam ser extintos a partir da data de publicação do ato.
Menos de um mês depois, no último dia 30, o presidente assinou a Medida Provisória Nª 881, que "institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica" e estabelece garantias de livre mercado. Aparentemente interessante do ponto de vista econômico, na prática a MP reuniu textos de diversos projetos que já tramitavam em Brasília, alguns deles rejeitados anos atrás. Um destes textos é, inclusive, muito conhecido por arquivistas. Trata-se do projeto que foi apelidado por profissionais da área como "Queima de Arquivo", apresentado originalmente como Projeto de Lei do Senado Nº 146, em 2007, pelo então senador Magno Malta. A polêmica proposta propunha que documentos digitalizados passassem a ter a mesma equivalência legal de documentos físicos – que, por sua vez, poderiam ser destruídos por incineração ou trituração mecânica depois da digitalização. O PLS Nº 146/2007, o "Queima de Arquivo", tramitou em idas e vindas marcadas por protestos de arquivistas, historiadores e gentes de todas as áreas, preocupadas com o patrimônio cultural arquivístico do país. Ao fim, foi aprovado no Senado e submetido à Câmara, onde está parado desde 2018.
A MP assinada por Bolsonaro na semana passada traz parte importante do PL "Queima de Arquivo". Em seu Artigo 11, a medida altera a Lei Nº 12.682/2012, que dispõe sobre a produção e o arquivamento de documentos em meio eletromagnético. Em linhas gerais, a MP traz de volta o Artigo 2º, que havia sido vetado no passado. O dispositivo autoriza que documentos produzidos na iniciativa privada possam ser armazenados em meio eletrônico e que, em caso de digitalização, os originais em suporte físico possam ser eliminados, "ressalvados os documentos de valor histórico, cuja preservação observará o disposto na legislação específica" (§ 1º).
Embora mencione o direito à eliminação pós-digitalização para "documentos privados", a medida provisória deixa dúvidas no ar: ao modificar o texto de uma lei federal dirigida originalmente a "documentos públicos e privados", o "direito" à destruição pós-digitalização também poderia ser estendido aos órgãos públicos?
As dúvidas inquietam a comunidade arquivística desde a semana passada, o que levou profissionais e entidades da área a questionar o que pensa o Conselho Nacional de Arquivos sobre o caso. Acontece que o Conarq não pode mais opinar. Na prática, ele não existe mais. Embora tenha sido criado pela Lei de Arquivos (8.159/1991), sua composição só foi prevista pelo Decreto 4.073/2002. Isso significa que ele se enquadra no rol dos conselhos extintos pelo decreto de 11 de abril de 2019, mencionado no início desta nota.
Ontem, a diretora-geral do Arquivo Nacional, Neide de Sordi, confirmou a inexistência do Conarq, órgão central do Sistema Nacional de Arquivos. Em nota, de Sordi escreveu que o Arquivo Nacional consultou o Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre o caso. Como resposta, recebeu a orientação de que seja elaborado um parecer técnico que justifique a recriação do Conselho. O parecer, ainda de acordo com a diretora do AN, deve ser entregue até amanhã (8). Depois disso, se recriado, o Conselho poderá pleitear um espaço de debates sobre a MP Nº 881.
A extinção do Conarq, o desprezo à Lei de Arquivos e as dúvidas em torno da medida provisória que permite a eliminação de documentos digitalizados põe em xeque a política nacional de arquivos, construída arduamente nos últimos 30 anos. Trata-se do maior e mais rápido desmonte da área em décadas. Com a extinção do Conarq, somem as câmaras técnicas e setoriais (que, a propósito, talvez não possam ser recriadas, se interpretadas ao pé da letra as definições do decreto de 11 de abril) e desaparece também o caráter de participação coletiva que, mesmo com limitações, marcou a existência do fórum desde 1994.
Brasil
Foram prorrogados os prazos para submissão de trabalhos à VI Reunião Brasileira de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (REPARQ). Trabalhos podem ser enviados até o dia 30 de maio.
O Encontro Nacional dos Estudantes de Arquivologia (ENEARQ) também estendeu seu prazo para envio de trabalhos: vai até dia 17 de maio.
Já o prazo para inscrição de eventos na 3ª Semana Nacional de Arquivos, promovida pelo Arquivo Nacional e pela Casa de Ruy Barbosa, se encerra no próximo dia 10 de maio.
O Portal do Arquivista, conhecido sítio que congrega informações sobre Arquivologia, lançou ontem a versão beta de seu aplicativo para smartphone. "Trata-se – segundo o portal – de uma plataforma de informação e comunicação para arquivistas e estudantes de arquivologia". É grátis e está disponível no Google Play.
A Rede Nacional de Arquivistas das IFES (ARQUIFES) divulgou nota de repúdio às declarações do Governo Federal sobre as instituições federais de ensino. Na nota, a entidade questiona: "Qual a intenção de um discurso que legitima a gravação das aulas dos professores das IFES? Qual a intenção de medidas que visam terceirizar atividades administrativas, nas quais as atividades de Arquivo estão inseridas? Qual o objetivo em tornar cada vez mais inviável a realização de concurso público? Qual o objetivo em tentar fragilizar o acesso à informação?"
O Arquivo Nacional divulgou dados gerais sobre os resultados da gestão de documentos nos órgãos da Administração Pública Federal em 2018. De acordo com o órgão, foram eliminados mais de 39,6 mil metros lineares de documentos de 63 entidades da APF, um aumento de quase 200% em relação ao ano anterior. No total, as eliminações geraram uma economia de 7,5 milhões de reais.
A considerar o discurso de seu presidente, Flávio Koch, a Junta Comercial de Porto Alegre irá eliminar a maior parte de seus arquivos em breve. Em entrevista ao Jornal do Comércio, Koch declarou que dos cerca de 24 milhões de documentos físicos guardados pela instituição, 18 milhões foram digitalizados e serão eliminados. Os outros 6 milhões não puderam ser digitalizados, pois "requerem cuidado para manusear". "Para o tratamento destes arquivos históricos pretendemos buscar profissionais da arquivologia. Os demais não precisam continuar guardados em papel, ocupando três andares e exigindo investimentos que poderiam ser voltados a outras ações", diz o presidente.
Mundo
O Conselho Internacional de Arquivos definiu a sede do próximo Congresso Internacional de Arquivos, que acontecerá em 2020. A próxima edição será em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.
A propósito, começou ontem (6) o primeiro curso on-line do CIA, intitulado Introduction to Records Management.
Foi lançada a convocatória para o III Congreso Internacional de Archivos Digitales, que acontecerá em novembro, na Cidade do México.
A história da carta de San Martin, que estaria sob guarda indevida da ex-presidente argentina Cristina Kirchner, virou uma novela sem fim. A ex-mandatária diz que o documento chegou as suas mãos como um presente do presidente russo Vladimir Putin, em 2015. Argentinos e chilenos, no entanto, agora discutem sobre os destinos do documento.
Em vídeo, a incrível viagem da carta de San Martin.
Um pesquisador encontrou um manuscrito de Anthony Burgess no qual o consagrado autor de Laranja mecânica dá sequência aos pontos centrais abordados na obra. O documento estava no arquivo de Burgess.
Para ler com calma
Organizado por Georgina Araceli Torres Vargas, o livro Estudios de la información: teoría, metodológia y práctica estende os sempre pertinentes debates sobre a informação. Disponível em vários formatos, no link.
Disponível para leitura, em espanhol e catalão, o Boletín de Archiveros sin Fronteras. Nesta trigésima edição, o periódico da organização aborda uma série de temas importantes e apresenta os resultados da VIII Jornada de ASF.
E o que acontece com os dados das empresas depois que elas acabam? Alex Rayón explica.