Edição 71 ● Março de 2020
E meio à pandemia, Presidência regulamenta digitalização de arquivos no Brasil
Na última quarta, 18, enquanto o país começava um processo de confinamento sem data para acabar, o presidente Jair Bolsonaro assinou o Decreto nº 10.278, que regulamenta parte da Lei nº 13.874/2019, o dispositivo que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, promulgado em setembro do ano passado. O novo decreto, que veio à luz em plena pandemia causada pelo novo coronavírus, estabelece requisitos técnicos para digitalização de documentos públicos e privados. A ideia é que os representantes digitais passem a ter o mesmo valor legal que os documentos originais, desde que sejam obedecidos os critérios.
A medida é polêmica e já foi amplamente debatida por especialistas que, desde 2012, tentam impedir a equiparação. O argumento central é de que a adoção da digitalização como forma de substituir os documentos originais em suporte físico promove insegurança jurídica e pode ter efeito reverso sobre a economia, gerando judicialização ao invés de desburocratização.
No Twitter, o articulista Bruno Carazza, do jornal Valor Econômico, analisou o decreto em uma thread. Para o economista, a dispositivo legal apresenta três pontos básicos: 1) a exigência de que os documentos digitalizados sejam assinados com certificação digital para ter valor legal; 2) a especificidade de que sejam digitalizados em resoluções mínimas de 300 a 600 dpi e em formato pdf/a ou png; e 3) que os representantes contem com uma série de metadados para permitir sua classificação, descrição e gerenciamento. O colunista conclui que "é difícil equilibrar os objetivos da desburocratização e da preservação histórica" e que teme que as novas regras "tenham se inclinado muito mais para o lado do primeiro do que para o segundo".
Numa análise exclusiva para o Giro, o professor André Cordenonsi, do curso de Arquivologia da Universidade Federal de Santa Maria, avalia que alguns pontos do decreto merecem maior reflexão. Os requisitos de assinaturas na digitalização de documentos particulares, por exemplo, deixam em aberto a obrigatoriedade ou não do uso da ICP-Brasil, que deveria ser a única permitida em todo o país. Já a respeito da eliminação dos documentos em suporte físico após digitalização, Cordenonsi considera que se todos os quesitos forem rigorosamente cumpridos a insegurança jurídica diminui, mas que estes fatores podem ser passíveis de contestação em uma série de situações específicas.
Em meio a um período de incertezas e apreensão, ainda é cedo para saber que efeitos o novo decreto acarretará na arquivística brasileira. De certa, por enquanto, só a vitória da insistência dos que, por tantos anos, fizeram lobby para que a medida fosse implementada. Como em outras circunstâncias, cabe lembrar que até hoje a arquivística brasileira não analisou as propostas de digitalização em perspectiva global, o que significa que não sabemos se os rumos seguidos no Brasil encontram precedentes em outros países. Talvez agora seja a hora de ir atrás destes exemplos, que podem elucidar como o restante do mundo tem lidado com a situação e o que pode ser feito.
Brasil
A pandemia provocada pelo novo coronavírus provocou a suspensão ou o cancelamento de centenas de eventos no Brasil e no mundo. Aqui no Giro procuramos divulgar o maior número possível de iniciativas que compõem o calendário da Arquivologia no país, mas seria quase impossível avisar sobre todos os que não ocorrerão por enquanto. A hora, então, é de sermos solidários. Se as medidas recomendadas pela autoridades não forem respeitadas, milhões de brasileiros podem ser infectados. Portanto, fique em casa. Quando tudo isso for história, nossos eventos voltarão. E o Giro estará aqui para divulgá-los.
Em tempos de quarentena, a Fundação Getúlio Vargas divulga que liberou o acesso a 51 de seus cursos – com direito à emissão de certificado. Para os arquivistas, recomendamos "Introdução à comunicação institucional", "Introdução à comunicação na era digital" e "Normas anticorrupção, antissuborno e compliance público", mas há vários outros interessantes. Tudo gratuito e on-line.
É preocupante a situação dos servidores do Arquivo Nacional. De acordo com a Associação dos Servidores do AN (ASSAN), há resistência em fechar a instituição e suspender seus serviços.
Ladrões roubaram materiais e equipamentos do Arquivo Público Municipal de Campo Grande. O roubo aconteceu no último domingo.
Mundo
Com as medidas de confinamento adotadas no mundo todo como forma de prevenção ao COVID-19, muitos conteúdos que costumam ser bloqueados estão sendo liberados. É hora, portanto, de colocar em dia as leituras, ou então de encontrar aquele artigo que você sempre quis ler, mas não podia. No universo arquivístico, o acesso agora é livre para as revistas Archivaria e Hispanic American Historical Review e para a base JStor, entre outras.
O Archivo Histórico de Alicante, na Espanha, criou uma hashtag para recuperar documentos e atividades promovidas por coletivos de forma remota. Procurem por #ArchivosContraelCoronavirus.
Aliás, o Archivo de Alicante também está doando luvas e máscaras para o combate ao novo coronavírus.
Para passar o tempo em casa,estão sendo liberadas muitas opções de arquivos on-line. A FIFA liberou o acesso aos vídeos de suas competições e documentários. A Fórmula 1 também está exibindo antigas corridas em seu canal no YouTube. E até a Opera de Viena liberou conteúdos para o público.
Os uruguaios, também em quarentena, estão convocando interessados a se somar às transcrições de documentos do projeto CRUZAR. Uma bela forma de ficar em casa e fazer algo muito útil ao país.
Por falar em Uruguai, o Centro de Archivos y Acceso a la Información Publica (CAinfo) do paisito alerta para a denúncia de que o governo recém-empossado no país teria planos de classificar como confidencial todas as informações referentes ao novo coronavírus no país.
Para ler com calma em tempos de quarentena
A invisibilidade dos arquivos femininos: uma entrevista com Luciana Heymann (via Café História).
Algumas ideias para limpar e organizar nossos arquivos de casa e também os pessoais (via AGU e Universo Escrito).
Um guia básico para identificar notícias falsas (via BBC).
Para rir em tempos de apreensão
Lave as mãos com calma. Cada lavagem deve durar o tempo suficiente para declamar o conceito de arquivos conforme Antonia Heredia.