Ano IV ● Edição 161 ● Janeiroe 2022
Arquivo Nacional se posiciona sobre decreto que autoriza eliminação de documentos por órgãos públicos
Com dois anos de atraso e através de uma longa nota, o Arquivo Nacional finalmente se posicionou formalmente sobre o Decreto nº 10.148/2019, que mudou o funcionamento do Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos da administração pública federal, o Siga. O decreto é alvo de críticas desde sua aprovação, mas voltou ao centro do debate há duas semanas, quando servidoras do AN foram exoneradas pela direção do órgão depois de terem alertado o diretor Ricardo Braga sobre os problemas da legislação.
A nota "AN em transformação para melhor atender a sociedade" defende com veemência a legislação que, segundo o texto, "aperfeiçoa" o Siga. De acordo com a nota, o decreto fortalece o papel das Comissões Permanentes de Avaliação de Documentos (CPADs) no serviço público federal, além de dar maior agilidade ao processo de eliminação – ao contrário do panorama "extremamente moroso" e "meramente formal" de aprovação das listas de eliminações de documentos (LEDs) pelo Arquivo.
Apesar de nublado pela abrupta mudança na direção-geral do órgão, o centro do debate é menos circunstancial do que parece. Ele remonta à velha discussão a respeito do centralismo do Arquivo Nacional – tão antiga, quanto importante. Historicamente, o órgão sempre teve dificuldades em reconhecer a descentralização da gestão de documentos sinalizada pelo modelo de organização adotado pelo poder público federal pós-1988 – mas nem sempre entendido assim nas interpretações da Lei de Arquivos. O decreto de 2019, que absorveu pouco ou nada das muitas críticas feitas ao sistema, foi a mais avançada tentativa legal de quebrar o centralismo do AN.
Acontece que só leis não bastam. Ao empoderar os órgãos da administração pública federal para que possam, eles próprios, definir a destinação de seus documentos arquivísticos (sempre a partir de tabelas de temporalidade previamente aprovadas pelo AN), a nova legislação simplesmente sonegou o fato de que são poucos os arquivistas na administração pública federal – e, portanto, é grande a possibilidade de que as eliminações ocorram sem a devida coordenação de profissionais capacitados.
Portanto, ainda que esteja envolvida no processo, a nova direção-geral do Arquivo Nacional é apenas uma parte da história – que nem por isso tem o direito de dispor da melhor mão de obra formada pela casa. Como sempre, o problema central é a ausência de efetivas políticas públicas de gestão de documentos e arquivos, panorama muito mais complexo do que a mera emissão de decretos regulatórios.
Brasil
Ainda sobre o AN, na semana passada o órgão lançou um "balanço" – ao que parece os relatórios anuais caíram mesmo em desuso – sobre sua atuação em 2021.
Enquanto isso, mais de 800 pessoas já assinaram a nota "O Arquivo Nacional hoje", que reflete sobre a gravidade dos últimos movimentos da direção do órgão. No texto, os signatários dizem esperar que "o Arquivo Nacional do Brasil, atento à sua história e à teoria arquivística, consiga ultrapassar os problemas hoje enfrentados e se manter fiel à sua missão de servir ao Estado e ao cidadão, de hoje e do futuro".
Na última quinta, 13, estudantes, pesquisadores e funcionários se manifestaram presencialmente contra os desmandos do novo diretor do AN, Ricardo Braga.
Para completar, o CONARQ se reúne na próxima quarta, em chamada extraordinária, para discutir o projeto de modernização da Lei de Arquivos.
Enquanto isso, no Iphan, o mestrado oferecido pelo órgão ficará sem uma nova turma depois de dez anos. O edital de 2021, que deveria escolher os novos estudantes da pós-graduação, não foi publicado.
Morreu na semana passada, aos 95 anos, o poeta Thiago de Mello. A boa notícia é de que seu acervo está sendo organizado desde o ano passado, pelo Laboratório de Pesquisa em Arquivologia, História e Patrimônio da Ufam.
O Arquivo Público do Estado de São Paulo incluiu mais de 28 mil listas de desembarque de imigrantes no Porto de Santos. Os documentos permitem saber quem chegou ao país entre as décadas de 1920 e 1960.
E a iniciativa privada se mobiliza para garantir o arquivamento de dados no Brasil. A IFC, braço de investimentos do Banco Mundial, anunciou um investimento de 165 milhões de reais na Odata, empresa de data centers.
Dois meses depois do início da ameaça de leilão, o prédio que abriga o Arquivo Público da Bahia (Apeb) segue sem destino certo. Até agora, o governo do Estado não divulgou seu plano para evitar que o Arquivo precise deixar o local.
Mundo
O Instituto Tcheco para o Estudo dos Regimes Totalitários (USTR) publicou milhares de fotografias e documentos em seu portal. Os registros tratam do destino de tchecoslovacos presos pela ditadura comunista no país.
Começa hoje, na Espanha, o curso "Preservación digital: nada dura para siempre". De acordo com os organizadores, ainda dá tempo de se inscrever.
Por falar em Espanha, gerou polêmica a declaração de José Bono, ex-presidente do Congresso do país, na semana passada. Em entrevista à RTVE, Bono afirmou que guarda mais de 117 mil documentos públicos em seus arquivos.
O Centro de Pesquisa Espacial da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, lançou o portal Mapping Historical New York, um atlas digital com arquivos da Grande Maçã. São mais de 6,5 milhões de registros que datam desde o século XIX.
Encontrado por um fotógrafo estadunidense, em 1999, o estúdio de Ssalongo, em Uganda, guarda fotografias de mais de 60 anos e que, agora, estão ajudando a contar uma importante etapa das famílias no país.
Para ler com calma
Tecnologias da memória lança recomendações para trabalho com arquivos de memória e direitos humanos (em espanhol, via El Mostrador).
O novíssimo livro A Ciência da Informação em movimento, disponível para download gratuito (EDUFBA).
Considerações sobre a proposta de alteração da Lei de Arquivos, por Neide de Sordi (via Biblioo).
Para ver com calma
O emocionado depoimento de Ismênia de Lima Martins, professora e ex-integrante do Conselho Nacional de Arquivos, sobre a situação do Arquivo Nacional (via JM Jardim).
Crise no Arquivo Nacional coloca em risco documentos de enorme valor histórico (via CBN).
Manifestação no Arquivo Nacional (via Brasil de Fato RJ).
O assalto ao Arquivo Nacional (via TV GGN).