Ano V ● Edição 222 ● 04 de abril de 2023
A principal instituição arquivística brasileira continua dominando a pauta da Arquivologia no país. Na última quinta, 30, a Associação dos Servidores do Arquivo Nacional (ASSAN) lançou uma carta aberta dirigida à diretora do órgão, Ana Flávia Magalhães Pinto. No documento, os servidores repudiam o decreto 11.437/2023, que muda a estrutura e as competências do AN.
Além de reclamarem sobre o fim abrupto de cinco divisões e a retirada de 33 funções gratificadas da equipe técnica, os servidores alegam que o decreto abre espaço para a implementação da chamada “custódia compartilhada”. Na carta, a ASSAN diz que o novo modelo promove “a privatização das atividades fim do Arquivo Nacional”.
A ideia da “custódia compartilhada” ganhou força durante a gestão da ex-diretora Neide de Sordi. Na proposta, os arquivos considerados de caráter permanente não precisariam mais serem recolhidos ao Arquivo Nacional, permanecendo nos setores e instituições em que foram produzidos. Embora divida opiniões na própria comunidade arquivística, a ideia vai de encontro ao que apregoa a própria Lei de Arquivos.
Na carta endereçada à nova diretora, a ASSAN reclamou, também, da falta de diálogo e transparência que marcaram a implementação do decreto 11.437. De acordo com os servidores do AN, ninguém no órgão foi previamente informado a respeito das mudanças.
No sábado, 1, uma nova carta aberta – desta vez assinada por sete ex-presidentes da Associação Nacional de História e endereçada ao atual presidente da entidade – pediu que a ANPUH se pronuncie contra o decreto 11.437. O documento foi compartilhado pela sucursal da ANPUH no Rio de Janeiro e gerou pelo menos uma manifestação contrária. Em nota, a Rede de Historiadorxs Negrxs (da qual Ana Flavia Magalhães é integrante) saiu em defesa da diretora, alegando que sua presença na direção do AN “representa uma inflexão inquestionável”.
Ainda no sábado, enquanto as notas se sucediam, a diretora do Arquivo Nacional tuitou: “Há pouco mais de cinco anos, questionaram se eu tinha capacidade de ser professora da área em que fui aprovada em concurso… O que eu tenho a dizer sobre isso? Entre outras coisas, já fui professora patronesse cinco vezes e de Brasil eu entendo”. Em entrevista ao jornal O Dia, publicada ontem, Ana Flavia falou novamente sobre o papel do AN na preservação da memória e reafirmou a pretensão de dialogar com distintos setores da sociedade.
Apesar do discurso, as principais demandas em torno da nova direção giram em torno, justamente, da falta de diálogo. O Giro apurou que conselheiros do Conarq – órgão que está há quase quatro meses sem se reunir – não conseguem contato com a diretora e nem sabem quando (e se) haverá reuniões. O Fórum Nacional de Associações de Arquivologia do Brasil (FNArq) também tenta agenda com Ana Flávia há semanas. E o próprio Giro da Arquivo busca uma entrevista com a diretora desde o dia 24 de janeiro, quando a indicação de seu nome foi anunciada.
Não falta quem queira ouvir o que pensa a nova diretora sobre os caminhos do AN, da legislação arquivística e da gestão de documentos no país: o que falta é que ela fale.
Cadê o Conarq? O Arquivo Público Mineiro e o Projeto de Lei nº 358/23
por Renato Pinto Venâncio
(professor da Escola de Ciência da Informação/UFMG)
É constrangedor ser professor de políticas públicas e constatar que, na prática, nada ocorre de acordo com o que as normas preveem. Exemplo disso ocorreu no último dia 21 de março último, quando fui convidado para uma audiência pública na Comissão de Cultura na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, para discutir o PL nº 358/23.
Esse PL é de iniciativa do governador e consiste em reforma administrativa de grande impacto arquivístico. Propõe transformar o Arquivo Público Mineiro - APM em Assessoria do Gabinete da Secretaria de Turismo-Secult, o que restringiria a ação do APM a atividades-meio dessa secretaria estadual.
Ao chegar no auditório da Assembleia Legislativa fiquei decepcionado. Nas aulas, destaco a importância de atores institucionais nas políticas públicas. Por isso, esperava encontrar pelo menos o presidente do Conselho Estadual de Arquivos, um representante da Associação Mineira de Arquivistas e um do Ministério Público.
Além dessas ausências, vivenciei outra decepção: os parlamentares, com raras exceções, não compreendem as funções de um arquivo público. Nem na condição de Assessoria, nem na de Diretoria de Superintendência de Equipamentos Culturais da Secult, como se encontra atualmente, o APM cumpre, junto aos órgãos do Poder Executivo Estadual, as funções sistêmicas previstas na Constituição Federal e na legislação estadual. Para desempenhar tais funções, precisaria ser órgão ou autônomo ou vinculado à Secretaria de Estado de Governo-SEGOV.
Mais decepcionante ainda é o silêncio do Conselho Nacional de Arquivos-Conarq, apesar dos esforços do conselheiro Daniel Elian, representante dos arquivos públicos estaduais e do Distrito Federal.
Brasil
Um evento realizado no último dia 31, no Arquivo Nacional, marcou a retomada dos trabalhos do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil, o Memórias Reveladas.
Três projetos brasileiros foram selecionados para receber aporte financeiro do programa Iberarchivos. Serão contemplados projetos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Prefeitura de Porto Alegre e da Fundação Perseu Abramo.
A Associação dos Arquivistas de São Paulo promove, durante o mês de abril, o curso livre “Arquivologia e governança de dados: convergências e rupturas”. A formação será ministrada por Lenora Schwaitzer, especialista no tema.
Mundo
Imerso em uma crise que parece interminável, o Haiti segue sendo palco de atrocidades das mais diversas. No último dia 15, Hanze Merisma, um funcionário do Arquivo Nacional do país, foi sequestrado. Depois de uma semana de protestos, Merisma foi libertado no dia 25 de março.
Sabe aqueles muitos emails que a gente guarda na caixa de entrada? Pois é, eles poluem. E muito.
Tem livro novo na praça – e com tema mais do que pertinente. A Associación de Archiveros de Castilla y León está lançando Directrices para el tratamiento de conjuntos de datos en los archivos, de Pilar Campos. Já disponível para donwload.
Para ler com calma
Áudios secretos do STM revelam novos casos de tortura na ditadura (via Agência Brasil).
Amira Arratia: a jovem que protegeu os arquivos da TVN na ditadura (em espanhol, via 24 Horas).
Como é o arquivo de fotos mais bem guardado do mundo (em inglês, via Buzzfeed News)
Para ver com calma