Ano IV ● Edição 188 ● Julho de 2022
Influenciada pelas visões francesa e estadunidense, a Arquivologia brasileira se acostumou a olhar para o mundo estrangeiro em busca de respostas para seus próprios problemas. No anos 90, voltou-se para o Canadá; no final da década de 2010, ensaiou uma aproximação com a Austrália.
A América Latina, entretanto, quase sempre ficou de fora deste mambembe radar. Alguns arquivistas brasileiros entendem que a arquivística latino-americana é menos desenvolvida que a praticada no país. Outros, simplesmente desconhecem o que se faz pelo continente.
O caminho para a compreensão de muitas das históricas angústias da área, no entanto, talvez passe por um entendimento mais qualificado sobre como se organiza e atua a área em realidades similares à brasileira. E é aí que entra o inspirador e recente exemplo mexicano, fruto de um organizado e sistemático projeto de Estado que, há pelo menos quatro anos, tem posicionado as políticas públicas arquivísticas como eixo central nas garantias de acesso à informação e proteção de dados pessoais.
O processo mexicano começa em 2014, quando o país adotou uma série de dispositivos legais relacionados à transparência pública. Neste mesmo ano, o Congresso do país definiu que, para garantir a transparência e o acesso à informação no país, era necessário definir um novo regime jurídico nacional relacionado aos arquivos. O projeto para uma legislação arquivística nacional foi apresentado em 2016, tramitou por dois anos e foi aprovado e sancionado em 2018.
Em essência, a lei de arquivos mexicana apresenta capítulos bastante similares ao dispositivo brasileiro, aprovado em 1991. A lei define e estabelece os parâmetros da gestão documental (incluindo características específicas para documentos eletrônicos), delibera sobre os responsáveis operacionais pela gestão, estrutura-se a partir dos entendimentos da teoria das três idades e cria um Sistema Nacional de Arquivos – a ser conectado a sistemas locais.
O grande diferencial da experiência mexicana talvez esteja na força política depositada sobre a nova lei. Diferentemente do caso brasileiro, o texto do dispositivo estabeleceu prazos e procedimentos para a harmonização e implementação de leis congêneres nas outras esferas administrativas do país – fazendo com que a lei federal seja complementada por legislação local. Para fazer funcionar as engrenagens previstas na nova legislação, o país criou o INAI (Instituto Nacional de Acesso à Informação), cujos funcionários têm percorrido o país levando consigo uma exitosa estratégia para a disseminação da lei.
Para que se tenha uma ideia dos resultados até agora obtidos, até junho deste ano, 21 dos 33 estados mexicanos já haviam reformado sua legislação arquivística, adequando-a à lei federal. Em termos práticos, isso significa que, em menos de três anos, dois terços do território mexicano já está legalmente estruturado para cumprir o que prevê a legislação nacional – um lugar onde o Brasil tenta chegar há três décadas.
Todo o processo mexicano tem sido acompanhado de numerosa quantidade de publicações e de um esforço muito significativo de divulgação através de redes sociais e eventos. Conhecer a realidade do país do Norte, muito mais parecido com o Brasil em suas características e problemas do que o Canadá, por exemplo, pode ser um bom caminho para que reestabeleçamos a confiança nas leis e a vontade de fazer com que as políticas públicas arquivísticas voltem a ser uma pauta real no país – algo que parece ter ficado esquecido em tempos áridos como os atuais.
Brasil
Não passou, mas tramitou na semana passada, no Congresso, um projeto de lei que prevê a privatização de dados públicos. Segundo Fernanda Campagnucci, diretora do Open Knowledge Brasil, que acompanhou toda a tramitação, o PL autoriza que órgãos cobrem pelo acesso a dados. A pauta deve voltar à mesa da Câmara em agosto.
A Secretaria Municipal de Água e Esgotos de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, sofreu um ataque hacker que chegou a interromper o fornecimento de água na cidade, semana passada. De acordo com a SEMAE, os criminosos tentaram extorquir a prefeitura para devolver os dados e arquivos sequestrados.
Mais frágeis, as prefeituras estão na mira dos ciberataques. Em Itapemirim, Espírito Santo, os hackers pediram R$ 250 milhões pela devolução de dados e arquivos capturados diretamente do sistema de gerenciamento de processos e documentos digitais do município.
Em novo capítulo da longa disputa entre servidores e direção do Arquivo Nacional, a Associação dos Servidores do AN (ASSAN) está cobrando explicações sobre a reestruturação administrativa da instituição. A ASSAN argumenta que 31 gratificações foram extintas e que a direção não deu respostas sobre o Plano de Carreira proposto no início da gestão de Borda D'Água.
Agenda: acontece em agosto o 13º Seminário de Proteção à Privacidade e aos Dados Pessoais; e a Casa de Oswaldo Cruz está com inscrições abertas (até 29 de julho) para o curso livre "Preservação Digital: teorias e práticas".
Mundo
Lá como cá... Uma rede de criminosos informáticos roubou 8 milhões de euros de 25 órgãos da administração pública da Catalunha. O roubo aconteceu através do uso de dados disponíveis nos portais da transparência.
Para quem quer conhecer suas origens: um grupo de pesquisadores desenvolveu um banco de dados com inteligência artificial que permite encontrar documentos históricos e mapear o fluxo migratório de portugueses que vieram para o Brasil.
O Conselho Internacional de Arquivos (ICA) está em processo eleitoral e, provavelmente pela primeira vez (dizemos provavelmente, já que não a informação não consta nos portais da instituição), poderá ter uma mulher em sua presidência. Rita Tjienfooh, do Suriname, apresentou sua candidatura ao cargo. Se eleita,Tjienfooh também será a primeira presidente da entidade nascida em um país do chamado terceiro mundo.
Para ler com calma
Descobrem uma carta escrita com sangue humano em meados do século XIX no Archivo General de la Nación (em espanhol, via Panorama Directo).
A primeira fotografia da história pode deixar de ser a qualquer momento: um olhar da janela de Niepce (em espanhol, via Xataka).
O menino que anotava recados a Dalí e guardou os documentos (em espanhol, via MSN).
"Os dados: uma ameaça? Gestão de documenos na era dos dados", o novo artigo de Jordi Serra Serra (em espanhol, via Tábula).
Para ver com calma
Seminário de Preservação e Migração 2022: filmes nos arquivos de TV. O que é para ser feito? (em inglês, via SEJA IFTA).
Mini-curso: Contribuições francesas para a institucionalização da Arquivologia no Brasil (via Faculdade de Ciência da Informação - UnB).
Arquivo Público de Araxá completa quarenta anos (via TV Paranaíba).